terça-feira, 19 de julho de 2011

Criminologia - Teorias macrossociológicas da criminalidade - Teorias de conflito

    

    Após a exposição sobre a Escola Clássica e a Escola Positiva, iremos adentrar ao estudo da sociologia norte americana, ou seja, um dos campos mais avançados da criminologia contemporânea.

    Passamos de um enfoque no indivíduo ou em pequenos grupos para uma preocupação com grande ênfase no estudo da macrocriminalidade, sendo assim, uma abordagem dos fatores que levam a sociedade como um todo a praticar ou não infrações criminais.

    Podemos dizer que as teorias criminológicas tem como objetivo quatro elementos, a lei, o criminoso, o alvo e o lugar.

    Segundo o posicionamento de Afonso Serrano Maíllo, a maioria das teorias criminológicas mais relevantes são estudos que pretendem  propor dedutivamente hipóteses precisas e consistentes entre si e que possam ser submetidas a propósitos de refutação e superá-los com êxito.

    Com o passar dos anos as teorias macrosociológicas foram divididas em dois grupos: As teorias do consenso, também chamadas de funcionalistas ou da integração e as teorias do conflito social.
  
    Para as chamadas teorias funcionalistas a finalidade da sociedade é atingida quando suas instituições obtêm perfeito funcionamento, os cidadãos aceitam as regras vigentes e compartilham as regras sociais dominantes. Já para a teoria do conflito a ordem na sociedade é fundada na força e na coerção, ou seja, na dominação por alguns e obediência de outros, não há existência de acordos em torno de valores.
    Considerando as principais teorias macrossociológicas podemos as dividir nos seguintes grupos: 
   
a) Teorias do Consenso: Escola de Chicago, associação diferencial, anomia e subcultura delinquente.

b) Teorias do Conflito Social: Labelling e a Teoria Crítica.

    No presente trabalho, iremos abordar as chamadas Teorias do Conflito.

--> Teoria do Labelling Aproach, Interacionismo Simbólico, Rotulação Social ou Etiquetamento.

    Tal teoria representou uma profunda mudança no pensamento criminológico, descentralizando os estudos no fenômeno delitivo em si e passando o enfoque para a reação social proveniente da ocorrência de um determinado delito. 

    Os principais expoentes desta teoria são, Erving Goffman e Howard Becker.

    A metodologia usada por esses autores é a observação direta e o trabalho de campo, dirigem suas atenções    aos processos de criação dos desvios, a conversão do indivíduo em desviado.

    Na lição de Pablos de Molina :

"Por volta dos anos 70 ganhou grande vigor uma explicação interacionista do fato delitivo que parte dos conceitos de "conduta desviada" e "reação social". Genuinamente norte-americana, surge com a modesta pretensão de oferecer uma explicação científica aos processos de criminalização, às carreiras criminais e à chamada desviação secundária, adquirindo, sem embargo, com o tempo, a natureza de mais um modelo teórico explicativo do comportamento criminal.
De acordo com esta perspectiva interacionista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como delitivas. Delito e reação social são expressões interdependentes, recíprocas e inseparáveis. A desviação não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade que lhe é atribuída por meio de complexos processos de interação social, processos estes altamente seletivos e discriminatórios." (MOLINA, p. 319-320)

    Podemos dizer que no processo de criminalização do indivídio existe: o desvio primário, correspondente a primeira ação delitiva do sujeito, que geralmente tem como finalidade resolver alguma necessidade, seja ela econômica ou para acomodar sua conduta as expectativas de um determinado grupo. O desvio secundário, que está ligado a repetição de atos delitivos, especialmente a partir da forçada associação do indivíduo com sujeitos delinquentes.

    O pensamento central dessa corrente é dizer que uma vez rotulado como "criminoso", o indivíduo dificilmente voltará a se adaptar ao meio social, a prisão cumpre uma função reprodutora, ou seja, a pessoa rotulada como delinquente assume o papel que lhe é consignado.

    A teoria traz consigo uma crítica ao aparato de repressão estatal, funcionando este na maioria das vezes como segregador, retirando do indivíduo desviado as possibilidades de reinserção social.

    Uma vez adquirido o estigma de deliquente, podemos citar duas razões pelas quais dificilmente será modificado tal quadro:

a)  Pela dificuldade da sociedade aceitar o individuo rotulado;

b) Devido a experiência de ser considerado desviado, e a publicidade dada ao fato, fazem com que haja um processo em que o próprio sujeito se concebe como tal. 


--> Teoria Crítica Radical ou "Nova Criminologia"

    Baseado no pensamento Marxista a Teoria Crítica entende que a solução da criminalidade passa pela extinção da opressão e exploração econômica das classes políticas, é o que podemos chamar de criminologia Marxista.

Karl Marx


    Tal  pensamento sustenta ser o delito um fenômeno dependente do modo de produção capitalista. A criminologia crítica, atentando  para o processo de criminalização busca como um dos seus objetivos principais estender ao campo do direito penal (de modo rigoroso) a crítica do direito desigual.

   Segundo Lélio Braga Calhau  "A criminologia radical recusa o estatuto profissional e político da Criminologia tradicional, considerada como um operador tecnocrático a serviço do funcionamento mais eficaz da ordem vigente" (CALHAU, p. 82)

    A criminologia radical se recusa a adotar um modelo tecnocrata, já que considera o problema criminal insolúvel em uma sociedade capitalista. 

    A chamada "nova criminologia" distingue  os crimes entre os que são expressão de um sistema intrinsecamente criminoso ( corrupção, crimes contra o sistema financeiro, racismo etc) e crimes de classes mais desprotegidas (furto, vadiagem etc).


BIBLIOGRAFIA

PABLOS DE MOLINA, Antônio García; GOMES, Luís Flávio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 5ª ed. Nitéroi, Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia. 6ª ed. Nitéroi, Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

MAÍLLO, Alfonso Serrano. Introdução à Criminologia. Tradução de Luiz Régis Prado. São Paulo: RT, 2007.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Sociologia e Antropologia Criminal - Os delinquentes segundo Enrico Ferri

    
    Apesar de exposição anterior em relação ao autor, não custa salientar quem foi Enrico Ferri.

    Ferri foi um célebre advogado, político militante e um reputado cientista, conhecido por muitos como o "pai da moderna sociologia criminal" , foi também o principal expoente da chamada escola positiva, buscando incansavelmente aprimorar as teses Lombrosianas acerca das causas da criminalidade.

    Ferri publicou sua obra Sociologia Criminal em 1914, dando relevo não só aos fatores biológicos (destacados por Lombroso em etapa anterior) como também aos mesológicos ou sociológicos, além dos físicos, na etilogia delinquêncial, ou seja, sustentou a existência do trinômio causal do delito formado por fatores físicos, antropológicos e sociológicos.

    Diferentemente dos clássicos que baseavam-se no livre arbítrio para definir o delito, Ferri buscou estatísticas, observou delinquentes diretamente confrontando-os com alienados e anormais, tentou investigar as suas anomalias, os seus estigmas, a sua psicologia.

    Foi Ferri quem acendeu o estopim da polêmica entre defensores do "livre arbítrio" e os adeptos do "determinismo" no que diz respeito á ação delinquêncial.

    Alguns criticam as ideias de Ferri pelo excesso de preocupação com a personalidade do infrator e a e os efeitos da sanção exercida sobre ele, deixando em segundo plano o efeito das sanções penais sobre a sociedade em geral, ou seja, enquanto a escola clássica se preocupava estritamente com a função retributiva da pena, a escola positiva em lado oposto pensava demasiadamente na função ressocializadora.

    A pena, segundo Ferri, é ineficaz se atua isoladamente, segundo o autor a sanção deve ser precedida ou acompanhada de profundas reformas sociais, econômicas e orientadas por uma análise científica e etimológica da infração. Por isso é que o autor expõe como instrumento de luta contra o delito uma Sociologia Criminal integrada, em que temos como base a Psicologia Positiva , a Antropologia Criminal e a Estatística Social.

    Após breve estudo sobre Enrico Ferri vamos para sua divisão dos infratores segundo sua categoria antropológica:

    I - Delinquente Nato, Institivo ou por tendência congênita

    É o tipo instintivo de criminoso, com seus estigmas de degeneração, Ferri nota como traço característico nessa modalidade de criminoso a completa atrofia do senso moral.

    Representa a própria revelação da antropologia criminal, trata-se de uma realidade humana incontestável.

    Segundo o autor, se comparado as pessoas comuns, o criminoso tem na maioria das vezes uma inteligência comum, e as vezes até um pouco inferior a média, não podendo ser classificados como "gênios do crime", nem tão pouco se encaixando  nos casos de "delinquência primitiva" e  "tipo bestial" em que a inteligência é obtusa e deficiente.

    O criminoso nato caracteriza-se antes de tudo pela vontade anormal, ou seja, pela impulsividade desta, passa precipitadamente da ideia para a ação, sendo levado por motivos totalmente desproporcionais a gravidade do delito, nesse sentido vemos uma falta de senso moral, que nos homens normais é a principal repulsa ao delito.

    Com relação aos delinquentes em estudo, Ferri o classifica como o de maior periculosidade, devido suas condições de anormalidade fisiopsíquica e já que recebem do ambientee social apenas o incentivo, neles encontramos a tendência para cometer qualquer delito, frequentemente com ferocidade anti-humana.

    II - Delinquente Louco

    É levado ao crime não apenas por sua enfermidade mental, mas também por sua atrofia do senso moral, que pode ser tanto permanente como transitória  e é condição decisiva na gênese da delinquência. 


    A enfermidade pode ser verdadeira e própria forma clínica de alienação mental (idiota, imbecil, paranóia etc) ou uma psicopatia em que a condição nevropática se junta a distúrbios psíquicos na esfera do sentimento, da inteligência ou da vontade.

    A enfermidade pode ser congênita ou adquirida, incurável ou curável, e podemos dizer que a readaptação do delinquente vaia variar de acordo com sua condição psicopatológica.

    III - Delinquente Habitual

    É aquele que, segundo Ferri, nascido e crescido em um ambiente de miséria material e moral, especialmente em meios urbanos, começa desde logo com leves faltas (pequenos furtos por exemplo) , e depois pela influência das prisões, pela falta de oportunidade e pela aprendizagem da delinquência, recai obstinadamente no crime, fazendo do delito seu modo de vida.

    O criminoso em tela é aquele que melhor demonstra a impotência da justiça penal e da "técnica judiciária" utilizada, em que a prisão e a pena não educam o indivíduo, apenas o mostra uma nova forma de viver, sem ao menos dar-lhe outra opção.

    No relatório sobre o Projeto de Código Penal Italiano, Enrico Ferri subdividiu os delinquentes habituais em 4 tipos principais:

    A) Delinquente por tendência congênita aos crimes de sangue e de violência ou contra a propriedade, que, nas palavras do autor, antes ou depois da condenação, repete as suas ações delituosas;

    B) Delinquente que comete habitualmente delitos leves, especialmente contra a propriedade, por uma congênita repugnância ao trabalho metódico, podemos citar aqui os estelionatários.

    C) Delinquente por hábito adquirido, ou seja, por uma infância moralmente abandonada, vai aos poucos evoluindo na gravidade de seus delitos e tornando estes seu modo de viver, vai piorando progressivamente na sua personalidade fisiopsíquica.

    D) Delinquente por mister ou profissional, aquele que na maioria das vezes se associa com outros criminosos para juntos organizarem uma verdadeira indústria criminosa, especialmente contra a propriedade (mafiosos, falsários internacionais, ladrões de cargas, criminosos financeiros etc)

    Segundo Enrico Ferri a primeira e a quarta categoria são as que apresentam maior grau de periculosidade e de incorrigibilidade.

    IV - Delinquente Ocasional

    É considerado o de menor periculosidade e de maior corrigibilidade, representa a grande maioria.

    É levado a delinquir devido a fortes influências do ambiente somadas a uma insuficiência de repulsão orgânica ou psíquica  ao crime, ou seja, uma predisposição a atividade delituosa.

    Aqui encaixa-se perfeitamente o dito popular "a ocasião faz o ladrão", a influência do ambiente pode ser em relação a facilidade de execução do crime, a necessidades familiares ou próprias, comoção pública etc

    Aqui não se vislumbra o delito por uma atrofia da moral e sim por irreflexão e imprevidência com fraqueza de vontade, pode cometer qualquer delito, porém, na maioria dos casos tratam-se de delitos leves.

    Importante ressaltar a opinião de Ferri no sentido de que a repressão Estatal em tais casos deve evitar o cárcere, buscando penas alternativas para educação social, nesse sentido o autor formulou a teoria da "saturação criminosa" (que será objeto de estudo em exposição futura).

    V - Delinquente Passional

    É o mais complexo dos tipos de delinquência, os criminalistas clássicos não chegaram a resolver o problema da relação do crime com a paixão e a relativa responsabilidade, primeiro se focaram no critério da intensidade, e depois com Carrara classificaram-as em cegas (temor, honra, amor etc) e raciocinadas (cobiça, vingança, ódio etc), classificação que tornou-se infrutífera uma vez que em cada indivíduo a emoção age de uma maneira diferente, por exemplo, para alguns a vingança se torna em paixão cega mais que a honra e o amor noutrem.

    Em momento posterior aos clássicos Ferri apresentou a distinção qualitativa das paixões, classificando-as em úteis e prejudiciais, favoráveis ou contrárias às condições de existência social e chamou-as paixões sociais e anti-sociais.

    A honra, o amor, o afeto familiar, são emoções úteis à espécie humana, são as paixões sociais, sendo assim, somente por uma aberração extraordinária é que ela leva ao crime, Ferri salienta nesse momento a necessidade de uma repressão Estatal de acordo com a qualidade da paixão incitadora, pois que ela demonstra um grau de periculosidade pequena, ou seja, uma personalidade anti-social muito menor.

    Quando um indivíduo delinque (mesmo que em relação a espécies criminais graves como o homicídio) por honra ofendida ou amor contrariado, ou por afeto paternal, o alarme social é muito menor do que quando o agente delinque por cobiça ou por ódio, sendo assim a repressão deve também ser dosimetrada.   


    Cumpre ressaltar que tanto o criminoso nato como o louco (consciente) pode vir a praticar um delito movido por honra ofendida ou por amor contrariado e nem por isso torna-se um delinquente passional, para constituir essa figura deve o agente delituoso ter precedentes ilibados, motivo proporcionado, execução em estado de comoção e normalmente seguido de remorso sincero do mal feito.

    Uma outra variedade do delinquente emotivo ou passional é o criminoso político-social, ou seja, pratica o ato delituoso essencialmente político ou de índole econômico-social, mas não por motivos egoísticos e sim uma repulsa a ordem pré-estabelecida, podemos aqui chamar de paixão político-social.



BIBLIOGRAFIA

FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime/ Enrico Ferri; prefácio do Prof. Beleza dos Santos; tradução de Paolo Capitanio. - 2.ed. - Campinas: Bookseller, 1998.


LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente.São Paulo: Ícone. 2007.


FERRI, Enrico, Discursos de Defesa. Tradução de Fernando de Miranda. 4ª ed. Coimbra, Portugal: Armênio Editor, Sucessor, 1981.