terça-feira, 25 de dezembro de 2018


Ovelhas, lobos e cães pastores


            Ovelhas são animais dóceis, produtivos e sem predisposição para atitudes violentas, raramente fazem mal uma para as outras ou para outros animais, com exceção de condutas acidentais. O rebanho teria uma vida longa e saudável, se não existissem os lobos.
Lobos são criaturas agressivas, traiçoeiras e que não aceitam regras morais de convivência, estão sempre à espreita esperando o melhor momento para atacar a ovelha e lhe ceifar a vida. Os lobos dedicam sua existência a destruírem o rebanho, afinal o lobo sobrevive da morte das ovelhas, em alguns casos podemos falar que é de sua essência, em outros podemos afirmar que tal comportamento foi adquirido através da convivência com outros lobos. O certo é que os lobos aterrorizam as ovelhas e em pouco tempo dizimariam o rebanho, se não fossem os cães pastores.
Cães Pastores são animais que dedicam suas vidas a protegerem as ovelhas, os cães nunca baixam a guarda, pois sabem que a qualquer momento os lobos podem atacar. Cães Pastores apesar de aparentarem ser iguais aos lobos, devido até mesmo a capacidade para violência, possuem uma diferença enorme, eles nunca atacarão as ovelhas, pelo contrário, são treinados a dar a vida para salvá-las do perigo. Os cães não são tão amáveis e carismáticos como as ovelhas pois enxergam a vida de uma outra forma, encaram a possibilidade de um ataque como algo inevitável, muitas vezes isso reflete em seu temperamento e em seu relacionamento com o rebanho.
Também é importante lembrar que nem sempre é fácil distinguir quem é quem no mundo animal, existem lobos infiltrados entre as ovelhas e até mesmo entre os cães.
            A relação entre os três animais é complexa, a ovelha apesar de protegida pelo cão, geralmente não gosta dele e o quer longe, ao menos fora do campo de visão do rebanho. O cão além de se parecer com o lobo fazendo o rebanho lembrar da existência da violência  fora dos limites da cerca, ainda traz para a ovelha o desagradável  sentimento de que ela precisa ser protegida.
Os lobos odeiam os cães, eles interferem em sua caçada os deixando vagar com fome na escuridão. O cão é inimigo natural do lobo e não é incomum este confronto resultar a morte de um dos animais.
Os cães apesar de indesejados pelas ovelhas e odiados pelos lobos persistem na tarefa de proteger o rebanho e combater os predadores, pois mais importante que o reconhecimento por parte das ovelhas é o instinto de proteger o indefeso, é isso que move os cães em sua inglória missão.
A metáfora acima descrita, inspirada no texto de autoria de Dave Grossman*, nos mostra um pouco da difícil tarefa de exercer a função policial em nossa sociedade.
A polícia tão execrada quando erra e tão esquecida quando acerta, muitas vezes trabalhando em condições precárias, persiste em sua empreitada, a maiorias dos policiais apesar das situações adversas não trocaria a profissão por nenhuma outra, o trabalho policial exige vocação, ou como descrito na parábola, instinto.
A satisfação em proteger a sociedade é o que move homens e mulheres a abrirem mão de estarem com suas famílias em datas comemorativas para protegerem quem não conhecem. Por esse motivo resolvi terminar o ano com o texto aqui exposto, para agradecer à todos que estiveram nas trincheiras do dia a dia policial ao longo de 2018, que 2019 seja um ano de muito sucesso na segurança pública e que estejamos sempre juntos para o enfrentamento dos lobos que nunca dormem.

*Dave Grossman, Ten Cel, Ranger, Ph.D., Autor de "On Killing"



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Teorias unitárias da pena - A dialética unificadora de Roxin e o garantismo de Ferrajoli



     Dando continuidade a abordagem anterior, partimos para as modernas teorias justificadoras da pena:

    3 - Teorias Unitárias ou Mistas


        São chamadas unitárias pois tentam unificar todas as teorias de forma a eliminar sua antinomias, aqui entram as ideias de Roxin e Ferrajoli.

    3.1 - Teoria Dialética Unificadora de Claus Roxin


         Ensina Roxin que para justificar o Direito de punir devemos separar 3 momentos distintos:

    A)  A ameaça (cominação legal em abstrato)

    Para o autor deve-se primeiramente fazer uma análise dos fins cometidos constitucionalmente, já que os limites do Direito Penal são os limites do próprio Estado.

        Partindo de uma ideia de um Estado Democrático de Direito que é o modelo mais utilizado pelos países modernos, tem-se a dignidade da pessoa humana como principal freio do poder estatal, e vislumbra-se o Direito Penal como última ratio, ou seja, subsidiário, devendo agir somente para tutela dos bens jurídicos de maior relevância para a vida em sociedade (Princípio da Fragmentariedade).

       Portanto, podemos concluir que nesse momento tem o Direito Penal a função de Prevenção Geral Subsidiária.

    B)  A imposição (aplicação)

           Consiste na fase de individualização Judicial, é a aplicação da pena no caso concreto, nesse momento podemos vislumbrar a prevenção específica já que o fim da pena será a ressocialização do indivíduo, porém, segundo bem assevera Roxin, não é uma prevenção específica idealizada por Enrico Ferri, já que a pena deverá ser limitada pela culpabilidade. Portanto, a função não é exclusivamente de prevenção específica.

           Paulo Queiroz de forma brilhante conclui as ideias de Roxin com relação aos 2 primeiros momentos: "(...) a pena tem por finalidade a proteção subsidiária e preventiva, tanto geral como individual, de bens jurídicos e de prestações estatais, por meio de um processo que salvaguarda a autonomia da personalidade e que esteja limitado pela medida da culpa."

    C) A execução da pena

        Aqui podemos dizer que a função da pena é exclusivamente de reintegração social, ou seja, a prevenção especial; porém, assevera Roxin que aqui deve-se respeitar à garantia constitucional da autonomia da pessoa.

     Sendo assim proibido será o tratamento coercitivo que interfira na estrutura da personalidade, mesmo que de eficácia ressocializante, por exemplo, a castração de delinquentes sexuais.

        Finalizando as ideias de Roxin bem disserta Paulo Queiroz : " Em suma, a finalidade essencial da pena é proteger, por meio da prevenção geral, especial e subsidiariamente, bens especialmente importantes".

Luigi ferrajoli

    D) O Garantismo de Luigi Ferrajoli

       Para Ferrajoli a prevenção geral negativa é a única capaz de legitimar a intervenção estatal, porém, para ele essa prevenção geral negativa não é apenas no sentido de prevenção de futuros delitos, mas sobretudo a prevenção de reações informais da sociedade contra o infrator (a chamada "justiça pelas próprias mãos") e a violência Estatal arbitrária. 
      
       O autor inspirado nas ideias iluministas bem assevera que um fato delituoso que cause repugnância nos indivíduos em geral, será punido de um jeito ou de outro, nesse ponto entra o Direito penal para colocar as "regras do jogo".

       Nesse ponto entra o garantismo em si, pois vem o Direito penal trazer regras fundamentais de respeito a dignidade humana na persecução criminal.

        Ferrajoli frisa a importância de um Direito penal mínimo pautado em regras garantistas (tradição liberal iluminista) como legalidade, lesividade, ampla defesa etc

          Ferrajoli opõe-se a ideia de prevenção especial, para ele não cabe ao Estado reeducar o infrator, não é direito do Estado forçar um indivíduo a não ser "malvado", e embora todo cidadão tenha o dever de não infringir a lei, ele tem o Direito de ser interiormente malvado e de seguir sendo o que é.

     Paulo Queiroz de forma singular analisa a crítica feita por Zaffaroni em relação ao argumento iluminista ou utilitarista reformado de Ferrajoli: " Zaffaroni pretende justificá-lo diferentemente: o Direito penal, como programação da operatividade da agência judicial, deve premanecer, e inclusive ampliar seu âmbito, na medida em que a sua intervenção resulte menos violenta que as outras formas ou modelos efetivamente disponíveis de decisão de conflitos".

     Zaffaroni defende uma maior intervenção Estatal, porém, menos violenta, já ferrajoli baseado no iluminismo defende o liberalismo absoluto, o que resulta no afastamento do aparelhato Estatal. 

     BIBLIOGRAFIA

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razon: teoría del garantismo penal. Trad. Perfecto Ibáñez et al. Madrid: Ed. Trotta, 1995.

ROXIN, Claus. Derecho penal; parte geral. Madrid: Ed. Civitas, 1997

QUEIROZ, Paulo de Souza: Direito penal parte geral. - 7 ed., - Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas: deslegitimación y dogmática jurídico-penal. Bogotá: Ed. Jurídica de Chile, 1993

Teorias da pena - A legitimação do direito de punir

    


       Podemos começar a abordagem frisando que a função do Direito Penal e principalmente o objetivo e os limites da pena tem sido tema dos mais controvertidos no meio jurídico.

       Antes de entrarmos propriamente nas ideias mais modernas como a de Claus Roxin e a de Luigi Ferrajoli, devemos fazer uma breve consideração sobre as teorias "clássicas".

    1-TEORIAS ABSOLUTAS

     São consideradas teorias absolutas aquelas que vêem o Direito Penal como fim em si mesmo, sendo assim, não teria o Direito Penal função preventiva, ressocializadora etc.

     O fim da pena seria simplesmente de retribuir um mal feito pelo agente, ou seja, função retributiva pura.

      Tem como base a ideia das escolas clássicas da criminologia, partindo do pressuposto de que o criminoso não é fruto de um desvio social ou psicológico, ele age por livre arbítrio, por isso a pena seria o castigo pela sua escolha em praticar a conduta delituosa.

     Temos como exemplo de teoria absoluta a teoria da retribuição moral de Kant, que defende ser a pena uma necessidade absoluta de justiça, um imperativo moral incondicionado.
    
     Segundo Welzel explicando os ensinamentos de Kant: "as penas são em um mundo regido por princípios morais (por Deus) , categoricamente necessárias".

     Com base no raciocínio lógico podemos dizer que o delito é uma negação do Direito, e a pena seria uma negação do delito, logo, a pena é uma negação da negação do Direito, seria assim uma afirmação do Direito. Simples e sem utilitarismos.

     Teorias essas muito criticadas e muito perigosas na prática, já que não impõem limites a intervenção do Direito penal no caso concreto, tendo como consequência um Direito Penal Máximo, um Estado extremamente punitivista, usando da esfera criminal como meio para imposição da vontade das classes que estiverem no poder.

     Para finalizarmos podemos dizer que referidas teorias são incompatíveis com os atuais formatos de Estado, tidos como Estados Funcionais, que encontram limites para a atuação, limites intransponíveis como a Dignidade da Pessoa Humana.


    2-TEORIAS RELATIVAS

        São teorias utilitárias, buscam um motivo para a imposição da pena. São teorias relativas:

    2.1 - Teoria da Prevenção Geral Negativa

        Parte do pressuposto de que todo crime tem uma motivação pscicológica, sendo assim a pena surge como um contra peso na balança, já que antes de praticar a conduta delituosa o agente "pesaria" a pena que poderia vir a sofrer, causando uma espécie de freio de consciência.

       Para Feuerbach, um dos principais idealizadores da ideia de prevenção geral negativa, a pena teria dois momentos o da cominação - "a intimidação de todos como possíveis protagonistas de lesões jurídica" e o da sua aplicação - ''dar fundamento efetivo à cominação legal, dado que sem a aplicação da cominação, tal seria ineficaz".

     Segundo Roxin essa teoria mantém as mesmas críticas em relação às teorias absolutas pois não define o âmbito de atuação Estatal na reprimenda.

    2.2 - Teoria da Prevenção Geral Positiva

       Entre os defensores dessa linha de pensamento temos que destacar a ideia formulada por Gunther Jakobs.

     Jakobs desenvolveu o chamado "Funcionalismo Sistêmico" do Direito penal, qual seja, a pena tem a função exclusiva de se auto afirmar, mais precisamente afirmar a validade do sistema.

     Para Jakobs a pena serve para orientação das ações e institucionalização das expectativas. De certa forma repercute também como função geral negativa, pois assegura a validade da norma, a função principal seria prevenir os efeitos negativos que a violação da norma acarretaria  para estabilidade do sistema.

     Jakobs utilizou-se de referida teoria para servir de base para elaboração de seu mais famoso trabalho, o "Direito Penal do Inimigo" (tema abordado em outra dissertação).

        A teoria de Jakobs muito se assemelha às teorias absolutas, por isso traz consigo todas as críticas de referidas teorias e ainda segundo cita Paulo Queiroz: "Não se trata de uma perspectiva instrumental, mas simbólica, uma vez que o Direito já não serve primordialmente ao homem, que se reduz a um subsistema físico-psíquico, mas ao sistema, pois o Direito não se presta assim à solução de conflitos, nem à proteção de bens jurídicos".


   2.2 - Teoria da Prevenção Especial

        Baseado nas ideias da escola positivista defendida por Garofalo, Ferri e Lombroso, todo criminoso tem um motivo que o levou a agir de forma contrária ao Direito.

     Para referida teoria, o Direito penal pretende, em última análise, a conversão do delinquente num homem de bem. O fim principal da pena é a não reincidência.

         É uma linha de pensamento tanto quanto perigosa, apesar de limitar a atuação do Estado para casos em que há verdadeira necessidade de atuação (Ex : o chamado criminoso ocasional da classificação de Ferri não haveria necessidade de encarcerização para tratamento, bastaria uma mera advertência ), não haveria limites para as penas, uma vez que indívíduo só seria liberado se constatado que não voltaria a delinquir (função de inocuização).


     BIBLIOGRAFIA

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razon: teoría del garantismo penal. Trad. Perfecto Ibáñez et al. Madrid: Ed. Trotta, 1995. 

FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1996. 

ROXIN, Claus. Derecho penal; parte geral. Madrid: Ed. Civitas, 1997 

JAKOBS, Gunther. Derecho penal; parte geral - fundamentos y teoria de la imputación. Trad. Joaquim Cuello Contreras e Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid; Marcial Pons, 1995.

QUEIROZ, Paulo de Souza: Direito penal parte geral. - 7 ed., - Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011. 

WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. J. Bustos Ramírez y Sergio Yánez Pérez. 4. ed. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1993. 

terça-feira, 19 de julho de 2011

Criminologia - Teorias macrossociológicas da criminalidade - Teorias de conflito

    

    Após a exposição sobre a Escola Clássica e a Escola Positiva, iremos adentrar ao estudo da sociologia norte americana, ou seja, um dos campos mais avançados da criminologia contemporânea.

    Passamos de um enfoque no indivíduo ou em pequenos grupos para uma preocupação com grande ênfase no estudo da macrocriminalidade, sendo assim, uma abordagem dos fatores que levam a sociedade como um todo a praticar ou não infrações criminais.

    Podemos dizer que as teorias criminológicas tem como objetivo quatro elementos, a lei, o criminoso, o alvo e o lugar.

    Segundo o posicionamento de Afonso Serrano Maíllo, a maioria das teorias criminológicas mais relevantes são estudos que pretendem  propor dedutivamente hipóteses precisas e consistentes entre si e que possam ser submetidas a propósitos de refutação e superá-los com êxito.

    Com o passar dos anos as teorias macrosociológicas foram divididas em dois grupos: As teorias do consenso, também chamadas de funcionalistas ou da integração e as teorias do conflito social.
  
    Para as chamadas teorias funcionalistas a finalidade da sociedade é atingida quando suas instituições obtêm perfeito funcionamento, os cidadãos aceitam as regras vigentes e compartilham as regras sociais dominantes. Já para a teoria do conflito a ordem na sociedade é fundada na força e na coerção, ou seja, na dominação por alguns e obediência de outros, não há existência de acordos em torno de valores.
    Considerando as principais teorias macrossociológicas podemos as dividir nos seguintes grupos: 
   
a) Teorias do Consenso: Escola de Chicago, associação diferencial, anomia e subcultura delinquente.

b) Teorias do Conflito Social: Labelling e a Teoria Crítica.

    No presente trabalho, iremos abordar as chamadas Teorias do Conflito.

--> Teoria do Labelling Aproach, Interacionismo Simbólico, Rotulação Social ou Etiquetamento.

    Tal teoria representou uma profunda mudança no pensamento criminológico, descentralizando os estudos no fenômeno delitivo em si e passando o enfoque para a reação social proveniente da ocorrência de um determinado delito. 

    Os principais expoentes desta teoria são, Erving Goffman e Howard Becker.

    A metodologia usada por esses autores é a observação direta e o trabalho de campo, dirigem suas atenções    aos processos de criação dos desvios, a conversão do indivíduo em desviado.

    Na lição de Pablos de Molina :

"Por volta dos anos 70 ganhou grande vigor uma explicação interacionista do fato delitivo que parte dos conceitos de "conduta desviada" e "reação social". Genuinamente norte-americana, surge com a modesta pretensão de oferecer uma explicação científica aos processos de criminalização, às carreiras criminais e à chamada desviação secundária, adquirindo, sem embargo, com o tempo, a natureza de mais um modelo teórico explicativo do comportamento criminal.
De acordo com esta perspectiva interacionista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como delitivas. Delito e reação social são expressões interdependentes, recíprocas e inseparáveis. A desviação não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade que lhe é atribuída por meio de complexos processos de interação social, processos estes altamente seletivos e discriminatórios." (MOLINA, p. 319-320)

    Podemos dizer que no processo de criminalização do indivídio existe: o desvio primário, correspondente a primeira ação delitiva do sujeito, que geralmente tem como finalidade resolver alguma necessidade, seja ela econômica ou para acomodar sua conduta as expectativas de um determinado grupo. O desvio secundário, que está ligado a repetição de atos delitivos, especialmente a partir da forçada associação do indivíduo com sujeitos delinquentes.

    O pensamento central dessa corrente é dizer que uma vez rotulado como "criminoso", o indivíduo dificilmente voltará a se adaptar ao meio social, a prisão cumpre uma função reprodutora, ou seja, a pessoa rotulada como delinquente assume o papel que lhe é consignado.

    A teoria traz consigo uma crítica ao aparato de repressão estatal, funcionando este na maioria das vezes como segregador, retirando do indivíduo desviado as possibilidades de reinserção social.

    Uma vez adquirido o estigma de deliquente, podemos citar duas razões pelas quais dificilmente será modificado tal quadro:

a)  Pela dificuldade da sociedade aceitar o individuo rotulado;

b) Devido a experiência de ser considerado desviado, e a publicidade dada ao fato, fazem com que haja um processo em que o próprio sujeito se concebe como tal. 


--> Teoria Crítica Radical ou "Nova Criminologia"

    Baseado no pensamento Marxista a Teoria Crítica entende que a solução da criminalidade passa pela extinção da opressão e exploração econômica das classes políticas, é o que podemos chamar de criminologia Marxista.

Karl Marx


    Tal  pensamento sustenta ser o delito um fenômeno dependente do modo de produção capitalista. A criminologia crítica, atentando  para o processo de criminalização busca como um dos seus objetivos principais estender ao campo do direito penal (de modo rigoroso) a crítica do direito desigual.

   Segundo Lélio Braga Calhau  "A criminologia radical recusa o estatuto profissional e político da Criminologia tradicional, considerada como um operador tecnocrático a serviço do funcionamento mais eficaz da ordem vigente" (CALHAU, p. 82)

    A criminologia radical se recusa a adotar um modelo tecnocrata, já que considera o problema criminal insolúvel em uma sociedade capitalista. 

    A chamada "nova criminologia" distingue  os crimes entre os que são expressão de um sistema intrinsecamente criminoso ( corrupção, crimes contra o sistema financeiro, racismo etc) e crimes de classes mais desprotegidas (furto, vadiagem etc).


BIBLIOGRAFIA

PABLOS DE MOLINA, Antônio García; GOMES, Luís Flávio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 5ª ed. Nitéroi, Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia. 6ª ed. Nitéroi, Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

MAÍLLO, Alfonso Serrano. Introdução à Criminologia. Tradução de Luiz Régis Prado. São Paulo: RT, 2007.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Sociologia e Antropologia Criminal - Os delinquentes segundo Enrico Ferri

    
    Apesar de exposição anterior em relação ao autor, não custa salientar quem foi Enrico Ferri.

    Ferri foi um célebre advogado, político militante e um reputado cientista, conhecido por muitos como o "pai da moderna sociologia criminal" , foi também o principal expoente da chamada escola positiva, buscando incansavelmente aprimorar as teses Lombrosianas acerca das causas da criminalidade.

    Ferri publicou sua obra Sociologia Criminal em 1914, dando relevo não só aos fatores biológicos (destacados por Lombroso em etapa anterior) como também aos mesológicos ou sociológicos, além dos físicos, na etilogia delinquêncial, ou seja, sustentou a existência do trinômio causal do delito formado por fatores físicos, antropológicos e sociológicos.

    Diferentemente dos clássicos que baseavam-se no livre arbítrio para definir o delito, Ferri buscou estatísticas, observou delinquentes diretamente confrontando-os com alienados e anormais, tentou investigar as suas anomalias, os seus estigmas, a sua psicologia.

    Foi Ferri quem acendeu o estopim da polêmica entre defensores do "livre arbítrio" e os adeptos do "determinismo" no que diz respeito á ação delinquêncial.

    Alguns criticam as ideias de Ferri pelo excesso de preocupação com a personalidade do infrator e a e os efeitos da sanção exercida sobre ele, deixando em segundo plano o efeito das sanções penais sobre a sociedade em geral, ou seja, enquanto a escola clássica se preocupava estritamente com a função retributiva da pena, a escola positiva em lado oposto pensava demasiadamente na função ressocializadora.

    A pena, segundo Ferri, é ineficaz se atua isoladamente, segundo o autor a sanção deve ser precedida ou acompanhada de profundas reformas sociais, econômicas e orientadas por uma análise científica e etimológica da infração. Por isso é que o autor expõe como instrumento de luta contra o delito uma Sociologia Criminal integrada, em que temos como base a Psicologia Positiva , a Antropologia Criminal e a Estatística Social.

    Após breve estudo sobre Enrico Ferri vamos para sua divisão dos infratores segundo sua categoria antropológica:

    I - Delinquente Nato, Institivo ou por tendência congênita

    É o tipo instintivo de criminoso, com seus estigmas de degeneração, Ferri nota como traço característico nessa modalidade de criminoso a completa atrofia do senso moral.

    Representa a própria revelação da antropologia criminal, trata-se de uma realidade humana incontestável.

    Segundo o autor, se comparado as pessoas comuns, o criminoso tem na maioria das vezes uma inteligência comum, e as vezes até um pouco inferior a média, não podendo ser classificados como "gênios do crime", nem tão pouco se encaixando  nos casos de "delinquência primitiva" e  "tipo bestial" em que a inteligência é obtusa e deficiente.

    O criminoso nato caracteriza-se antes de tudo pela vontade anormal, ou seja, pela impulsividade desta, passa precipitadamente da ideia para a ação, sendo levado por motivos totalmente desproporcionais a gravidade do delito, nesse sentido vemos uma falta de senso moral, que nos homens normais é a principal repulsa ao delito.

    Com relação aos delinquentes em estudo, Ferri o classifica como o de maior periculosidade, devido suas condições de anormalidade fisiopsíquica e já que recebem do ambientee social apenas o incentivo, neles encontramos a tendência para cometer qualquer delito, frequentemente com ferocidade anti-humana.

    II - Delinquente Louco

    É levado ao crime não apenas por sua enfermidade mental, mas também por sua atrofia do senso moral, que pode ser tanto permanente como transitória  e é condição decisiva na gênese da delinquência. 


    A enfermidade pode ser verdadeira e própria forma clínica de alienação mental (idiota, imbecil, paranóia etc) ou uma psicopatia em que a condição nevropática se junta a distúrbios psíquicos na esfera do sentimento, da inteligência ou da vontade.

    A enfermidade pode ser congênita ou adquirida, incurável ou curável, e podemos dizer que a readaptação do delinquente vaia variar de acordo com sua condição psicopatológica.

    III - Delinquente Habitual

    É aquele que, segundo Ferri, nascido e crescido em um ambiente de miséria material e moral, especialmente em meios urbanos, começa desde logo com leves faltas (pequenos furtos por exemplo) , e depois pela influência das prisões, pela falta de oportunidade e pela aprendizagem da delinquência, recai obstinadamente no crime, fazendo do delito seu modo de vida.

    O criminoso em tela é aquele que melhor demonstra a impotência da justiça penal e da "técnica judiciária" utilizada, em que a prisão e a pena não educam o indivíduo, apenas o mostra uma nova forma de viver, sem ao menos dar-lhe outra opção.

    No relatório sobre o Projeto de Código Penal Italiano, Enrico Ferri subdividiu os delinquentes habituais em 4 tipos principais:

    A) Delinquente por tendência congênita aos crimes de sangue e de violência ou contra a propriedade, que, nas palavras do autor, antes ou depois da condenação, repete as suas ações delituosas;

    B) Delinquente que comete habitualmente delitos leves, especialmente contra a propriedade, por uma congênita repugnância ao trabalho metódico, podemos citar aqui os estelionatários.

    C) Delinquente por hábito adquirido, ou seja, por uma infância moralmente abandonada, vai aos poucos evoluindo na gravidade de seus delitos e tornando estes seu modo de viver, vai piorando progressivamente na sua personalidade fisiopsíquica.

    D) Delinquente por mister ou profissional, aquele que na maioria das vezes se associa com outros criminosos para juntos organizarem uma verdadeira indústria criminosa, especialmente contra a propriedade (mafiosos, falsários internacionais, ladrões de cargas, criminosos financeiros etc)

    Segundo Enrico Ferri a primeira e a quarta categoria são as que apresentam maior grau de periculosidade e de incorrigibilidade.

    IV - Delinquente Ocasional

    É considerado o de menor periculosidade e de maior corrigibilidade, representa a grande maioria.

    É levado a delinquir devido a fortes influências do ambiente somadas a uma insuficiência de repulsão orgânica ou psíquica  ao crime, ou seja, uma predisposição a atividade delituosa.

    Aqui encaixa-se perfeitamente o dito popular "a ocasião faz o ladrão", a influência do ambiente pode ser em relação a facilidade de execução do crime, a necessidades familiares ou próprias, comoção pública etc

    Aqui não se vislumbra o delito por uma atrofia da moral e sim por irreflexão e imprevidência com fraqueza de vontade, pode cometer qualquer delito, porém, na maioria dos casos tratam-se de delitos leves.

    Importante ressaltar a opinião de Ferri no sentido de que a repressão Estatal em tais casos deve evitar o cárcere, buscando penas alternativas para educação social, nesse sentido o autor formulou a teoria da "saturação criminosa" (que será objeto de estudo em exposição futura).

    V - Delinquente Passional

    É o mais complexo dos tipos de delinquência, os criminalistas clássicos não chegaram a resolver o problema da relação do crime com a paixão e a relativa responsabilidade, primeiro se focaram no critério da intensidade, e depois com Carrara classificaram-as em cegas (temor, honra, amor etc) e raciocinadas (cobiça, vingança, ódio etc), classificação que tornou-se infrutífera uma vez que em cada indivíduo a emoção age de uma maneira diferente, por exemplo, para alguns a vingança se torna em paixão cega mais que a honra e o amor noutrem.

    Em momento posterior aos clássicos Ferri apresentou a distinção qualitativa das paixões, classificando-as em úteis e prejudiciais, favoráveis ou contrárias às condições de existência social e chamou-as paixões sociais e anti-sociais.

    A honra, o amor, o afeto familiar, são emoções úteis à espécie humana, são as paixões sociais, sendo assim, somente por uma aberração extraordinária é que ela leva ao crime, Ferri salienta nesse momento a necessidade de uma repressão Estatal de acordo com a qualidade da paixão incitadora, pois que ela demonstra um grau de periculosidade pequena, ou seja, uma personalidade anti-social muito menor.

    Quando um indivíduo delinque (mesmo que em relação a espécies criminais graves como o homicídio) por honra ofendida ou amor contrariado, ou por afeto paternal, o alarme social é muito menor do que quando o agente delinque por cobiça ou por ódio, sendo assim a repressão deve também ser dosimetrada.   


    Cumpre ressaltar que tanto o criminoso nato como o louco (consciente) pode vir a praticar um delito movido por honra ofendida ou por amor contrariado e nem por isso torna-se um delinquente passional, para constituir essa figura deve o agente delituoso ter precedentes ilibados, motivo proporcionado, execução em estado de comoção e normalmente seguido de remorso sincero do mal feito.

    Uma outra variedade do delinquente emotivo ou passional é o criminoso político-social, ou seja, pratica o ato delituoso essencialmente político ou de índole econômico-social, mas não por motivos egoísticos e sim uma repulsa a ordem pré-estabelecida, podemos aqui chamar de paixão político-social.



BIBLIOGRAFIA

FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime/ Enrico Ferri; prefácio do Prof. Beleza dos Santos; tradução de Paolo Capitanio. - 2.ed. - Campinas: Bookseller, 1998.


LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente.São Paulo: Ícone. 2007.


FERRI, Enrico, Discursos de Defesa. Tradução de Fernando de Miranda. 4ª ed. Coimbra, Portugal: Armênio Editor, Sucessor, 1981.









segunda-feira, 27 de junho de 2011

Traumatologia - Lesões produzidas por ação contundente e por ação cortante

LESÕES PRODUZIDAS POR AÇÃO CONTUNDENTE



    Iremos começar a abordagem pelas lesões produzidas por ação contundente, logo em seguida faremos uma breve exposição acerca das lesões produzidas por ação cortante, lembrando que é frequente em provas de medicina legal a comparação entre referidas lesões.

  Instrumento contundente é todo objeto capaz de agir traumaticamente sobre o organismo, a lesão pode ser produzida por pressão ou deslizamento, temos como exemplo de instrumentos aptos a produzir tais  lesões: pedras, paus, barras de ferro, taco de basebol etc

    Importante ressaltar que excepcionalmente a lesão contundente pode ser produzida pelo ar (como por exemplo em explosões em que há um deslocamento abrupto de ar) e pela água (derivada de mergulhos em que a água funciona como uma espécie de "muro").

    Passamos agora ao estudo das diversas modalidades de lesões produzidas por instrumento contundente:

1- Eritema traumático: É lesão mais branda a ser produzida, oque popularmente podemos chamar de "vermelhidão", os Tribunais em diversas ocasiões já consideraram a agressão que produz a eritema traumática como contravenção de  vias de fato, ou seja, não chega a ser considerada como ofensa a integridade física da vítima.

2- Rubefação: Considerada uma congestão de pouca intensidade, porem em grau maior do que o eritema traumático, desaparece em pouco tempo (cerca de 6 a 24 horas), temos como um exemplo um tapa de mão aberta.

3- Escoriações: O instrumento contundente produz o arrancamento da epiderme, deixando a derme descoberta, ocasionando a formação de crosta hemática. Cumpre salientar que no morto não ocorre a formação de referida crosta. Quando a lesão atinge apenas a epiderme ocorre o rompimento de vasos linfáticos, ficando uma crosta amarelada, diferentemente ocorre quando a lesão atinge a derme em que a crosta será avermelhada devido ao rompimento de vasos sanguíneos. 

Escoriação


4- Equimose: O agente vulnerandi age com maior intensidade do que na rubefação, mas diferentemente da escoriação a pele é preservada, porem os vasos superficiais se rompem causando uma infiltração e coagulação do sangue extravasado nas malhas dos tecidos. Aqui podemos citar algumas subespécies de equimoses como a emotiva (como o próprio nome diz causada por emoções e não por instrumentos contundentes) e a equimose a distância (a lesão se encontra em um lugar e a equimose em outro, ocorre devido ao efeito da gravidade sobre o sangue).
    
    4.1- Espectro equimótico de Legrand du Saulle - É a mudança de coloração da equimose com o passar do tempo, determina a data aproximada da lesão, sendo: Vermelho  dia, violáceo 2º e 3º, azul 4º a 6º, esverdeado 7º a 10º, amarelo esverdeado 10º a 12º e amarelado 12º a 17º.

    4.2- Roberto Blanco em sua obra anota tipos especiais de equimoses como:

    A) Petéquias - São equimoses puntiformes, como cabeças de alfinete, muito comum em mortes rápidas e asfixias. 

    B) Mancha equimótica de Tardieu - Têm o tamanho de uma lentilha frequentes nas asfixias mecânicas do tipo sufocação direta.

    C) Mancha subpleurais de Paltauf - Ocorre nos casos de insuficiência respiratória aguda e em casos de afogamento.

5- Hematoma: É a coleção sanguínea em uma cavidade circunscrita, ou seja a concentração de sangue derramado sem rompimento da pele, diferencia-se da equimose pelo fato de nesta o sangue se infiltra nas malhas do tecido subcutâneo enquanto que no hematoma o sangue se coleciona em determinado ponto formando verdadeiras bolsas, porem, cumpre ressaltar  a possibilidade de referidas lesões ocorrerem simultaneamente.

Hematoma


    5.1 Bossa sanguínea: Ocorre quando o hematoma se encontra em região óssea e abaixo de pele com pouco tecido mole na circunvizinhança, o sangue pressiona a pele para cima, é oque popularmente chamamos de "galo".

Bossa sanguínea


6- Ferida Contusa: Aqui ocorre perda da integralidade da pele ou o rompimento de sua elasticidade. Características:

    A) Fundo e vertentes irregulares

   B) Escoriações das bordas

   C) Hemorragia menor que nas feridas incisas (produzidas por instrumento cortante)

    D) Retalhos em forma de ponte unindo as margens

    E) Nervos, vasos e tendões conservados no fundo da lesão

7- Luxação: Via de regra trata-se da rotura de ligamentos, é a perda definitiva de contato entre as superfícies articulares (mas não necessariamente irreversível).


                 LESÕES PRODUZIDAS POR AÇÃO CORTANTE






    Instrumento cortante é aquele que apresenta fio, corte ou gume, por exemplo uma faca. Lembrando que conforme manuseia-se o instrumento cortante este poderá produzir uma lesão por ação perfurocortante, lesão a qual não será objeto aqui objeto de estudo.


    As feridas produzidas por ação cortante são chamadas de feridas incisas, o instrumento cortante age tanto por pressão como por deslizamento.


    1) Ferida incisa simples: fundo liso e bordas regulares, maior cumprimento do que profundidade, trata-se de ferida superficial.


    2) Ferida em bisel (com retalho ou também chamada de bico de flauta) : A ação se faz obliquamente, de modo a destacar uma porção do tecido lesado


    3) Ferida mutilante: É aquela que tira pedaço, ou seja, perda da substância pela ação tangencial.


    CARACTERÍSTICAS DAS FERIDAS INCISAS:
    
    A) Margens nítidas e regulares


    B) Fundo da lesão sem pontes ou esmagamento


    C) Cumprimento maior que a largura e profundidade


    D) Cauda de escoriação ou de saída


   E) Aspecto e "V" ao corte perpendicular


    F) Hemorragia abundante


Ferida Incisa




   LESÕES CARACTERÍSTICAS:


    A) Lesões de defesa: Borda cubital do antebraço, palma da mão e dedos


    B) Esgorja: Região anterior, lateral ou anterolateral do pescoço


    C) Degola: Região posterior do pescoço (nuca)


    D) Decapitação: Separação da cabeça em relação ao corpo




BIBLIOGRAFIA:

BLANCO, Roberto. Apostila de medicina legal. 2000.

GRECO, Rogério (Coord.). Medicina Legal à Luz do Direito Penal e Direito Processual . Pena: teoria resumida/ Willian Douglas Resinente dos Santos, Lélio Braga Calhau, Abrouch Valenty, Krymchantowki, Roger Ancillotti, Rogério Greco. 9ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.


FÁVERO, Flamínio. Medicina Legal. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1994.


VASQUES, Paulo Maurício. Apostila de Medicina Legal.